Toda vez que eu vou pra casa de mainha e ela pergunta o que eu quero comer respondo a mesma coisa: omelete de carne moída com farofa de manteiga. Ela, por sua vez, até hoje não se conforma e retruca indignada: Mas onde já se viu isso? Eu tô falando de uma coisa especial, que graça tem omelete?
Sabe de nada, a inocente. Porque se pá é meu rango da vida.
Não apenas pela combinação mais que perfeita da massa-nuvem de clara em neve com o recheio da carne moída de mãe, e a farofa crocante de manteiga na cobertura, como também pela magia do processo em três etapas.
Uma coisa que era muito gostosa pra mim em dias de omelete é que essa receita juntava mainha e painho na cozinha, em raros momentos de alegria e descontração, porque ninguém - eu disse NINGUÉM - batia uma clara em neve como painho, ali no seu modus operandi de prato e garfo, mainha tinha que admitir. Tanto que só batia ela mesma as claras em neve em sua tigela de cogumelos e batedor de arame, se painho estivesse fora em viagem de caminhão. Porque ele charlava muito, viu? Fazia batuque de samba enquanto as claras cresciam muito alvas bem diante dos meus olhões de jaboticaba hipnotizados, até o ápice mágico da virada do prato sobre a minha cabeça - um êxtase de brinquedo de parque de diversão de quermesse.
Ríamos muito eu e meu pai, enquanto mainha - mais rabugenta -prendia o riso no canto da boca enquanto refogava no fundo da panela os temperinhos naïf da carninha moída - que levava, invariavelmente, ervilhas (hereges, calai- vos).
E ao mesmo tempo em que painho somava as gemas - acabando com o efeito neve naquele momento de desencanto anunciado – inflava a massa com promessa de uma colher de sobremesa de fermento químico e uma pitada de sal.
Era untar a pesada frigideira com óleo de soja (quando ele ainda não era transgênico), deitar a massa esplêndida, dispor o recheio na metade da circunferência, e virar a omelete com a ajuda das nossas espátulas de pau velhas de guerra, em mais um momento de aventura e destreza.
Uma vez delicadamente fechada a omelete, ela era transposta para uma travessa de formato ideal e aguardava ansiosamente ali pela farofa que mainha fazia na mesma frigideira derretendo uma colher in-de-cen-te de manteiga da boa para depois ir juntando aos poucos uma chuva fina de farinha de mandioca excelente de Nazaré das Farinhas, misturando bem e tostando em fogo brando até aquela crocância dourada de cobrir omelete de mãe.
Nas fotos, a mesma tigela, o mesmo batedor, a mesma espátula e a mesma travessa que faziam tinir a minha alegria de menina pequena em cozinha de mãe e pai.
E quando mainha começou a perder o tesão pela cozinha eu jurei pra mim mesma que para não viver a orfandade dessa receita, treinaria até chegar numa omelete tão boa quanto a dela. E eu vou te contar, minha omelete de mainha é um sonho. Da receita original apenas limei o pimentão verde do refogado de fundo de panela, e troquei o coentro cultural pela salsinha - que para mim conversa melhor com a carne.
De resto, tudo igual, exceção a uma ou outra lágrima deliciosamente saudosista que me escapa dos olhos e se mistura às claras em neve, à maneira mexicana de Laura Esquivel em Como Água Para Chocolate. Nada não, no máximo um choro gostoso de alegria que vai brotar do nada dos olhos dos comensais.
Carne moída no omelete, me lembrou minha mãe. Seria mais ainda memória afetiva se fosse sardinha, o mais comum lá em casa. Katia, já estava lendo feliz, aí no final me veio com Como Água Para Chocolate, dos meus favoritos da vida, e me resplandeceu. Bem vinda ao substack, que delícia.
Eu tô é besta com essa combinação inusitada!